Estatuto do nascituro: alerta vermelho para os direitos reprodutivos das mulheres
Desde o início da última legislatura
(2007-2010), o Congresso Nacional tem sido palco para a atuação de uma
bancada religiosa ultraconservadora, composta por parlamentares que
dedicam seus mandatos a uma crescente perseguição e criminalização das
mulheres, da população LGBT e dos movimentos sociais. Parlamentares
propõem verdadeiros retrocessos legislativos, que permeiam a pauta das
comissões. O cenário se opõe aos recentes avanços nas votações do
Supremo Tribunal Federal (STF), que autorizam pesquisas
comcélulas-tronco, reconhecem a constitucionalidade da Lei Maria da
Penha e descriminalizam a antecipação do parto de fetos anencéfalos,
entre outros.
Um dos pilares dessa tendência
conservadora é a tentativa de aprovação do “Estatuto do Nascituro”,
apelido dado ao Projeto de Lei nº 478/2007, que busca estabelecer os
direitos dos “ainda-não–nascidos”, chamados de nascituros, no Brasil. A
partir da proposta, o embrião fica assim definido como um ser humano a
partir da concepção até mesmo antes de alcançar o útero por meios
naturais ou após a fertilização in vitro. No dia 19 de maio de 2010, a
Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados aprovou o
referido projeto de lei. Hoje, ele está na Comissão de Finanças e
Tributação da Câmara, sob relatoria do deputado evangélico Eduardo Cunha
(PMDB-RJ). Caso prossiga sua tramitação, este Projeto de Lei pode
acarretar um enorme impacto negativo, aumentando as barreiras já
existentes ao acesso da mulher ao aborto nos casos previstos em lei,
contribuindo para o aumento da morbidade e mortalidade maternal
evitáveis.
Razões pelas quais o projeto de lei 478/2007 deve ser rejeitado:
1) O status inferior
dado às mulheres no âmbito do PL 478/2007, implica na ausência do
reconhecimento de sua condição contemporânea como sujeitos morais e de
direitos. A proposta de se proteger os seres humanos não nascidos é
legítima, mas, se torna ilegítima e incompatível com os princípios
fundamentais do Estado Democrático de Direito no momento em que viola
e/ou ignora a igualdade, a liberdade, e a dignidade das mulheres como
seres humanos;
2) Na proposta, cada mulher grávida
passa a ser uma criminosa em potencial. Se uma mulher sofre uma
interrupção de gravidez – sendo que cerca de 25 % das mulheres sofrem
interrupção espontânea no início da gravidez – ela poderá ser indiciada
criminalmente;
3) Mulheres de baixa renda, negras, com
baixo nível educacional e limitado acesso aos serviços de planejamento
familiar seriam desproporcionalmente afetadas, pois são as mais
prováveis de morrer ou sofrer complicações devido a abortos inseguros;
4) Viola as leis constitucionais
brasileiras, que protegem o direito à saúde e ao cuidado à saúde
reprodutiva da mulher, que inclui o aborto seguro previsto em lei;
5) A lei poderia criar um obstáculo ao
acesso a contraceptivos, como contracepção de emergência, ou outros
contraceptivos hormonais, pois eles poderiam ser interpretados como uma
violação dos direitos do embrião;
6) A lei não apenas criminaliza qualquer
ato que possa causar danos ou morte a um embrião, como também proíbe o
congelamento de material embrionário para uso em pesquisas, prejudicando
milhares de pessoas que atualmente depositam suas esperanças de
recuperação nas pesquisas de células-tronco.
Ademais, há um amplo consenso que reconhece que é através da garantia
dos direitos reprodutivos e sexuais das mulheres, da sua saúde e
dignidade, que os direitos do nascituro estarão resguardados. Dito de
outra forma, a melhor forma de proteger a vida do nascituro é proteger
às mulheres, sem, com isso, subjugar sua liberdade e autonomia.
Por fim, a criação de benefício só é
possível com previsão de custeio, ou seja, será necessário pensar algum
tipo de imposto ou contribuição social. O projeto de lei do Estatuto do
Embrião não apenas fere a lei federal orçamentária e financeira como
também a autonomia do Poder Executivo.
Por todo o exposto, os movimentos
feministas e de mulheres do Brasil seguem atentos monitorando a
tramitação do Projeto de Lei nº 478/2007, que representa um dos ápices
de uma perseguição contínua às mulheres, bem como a discriminação e o
conservadorismo com que são tratados seus direitos no Brasil.
TRAMITAÇÃO: Já aprovado
em maio de 2010 na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara
dos Deputados, atualmente o PL tramita na Comissão de Finanças e
Tributação, que analisará sua adequação orçamentária e financeira. O
atual relator da matéria é o deputado ultraconservador Eduardo Cunha
(PMDB/RJ), que não dialoga com os movimentos sociais e deve apresentar
um parecer pela sua aprovação. Depois o PL segue para a Comissão de
Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC) que analisará seu mérito,
constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa. Somente depois
(se não for aprovado) passará para Plenário da Câmara e seguirá ao
Senado Federal.
FONTE: Carta Potiguar