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Até senador da República tem escravos no Brasil. Cadê a PEC do trabalho escravo?

Por Leonardo Sakamoto, do Blog do Sakamoto

Por 7 votos a 3, o Supremo Tribunal Federal decidiu, nesta quinta (23), que o senador João Ribeiro (PR-TO) deve ser réu em um processo que o acusa de ter utilizado trabalho análogo ao de escravo na fazenda Ouro Verde, em Piçarra (PA), em fevereiro de 2004. Reeleito para ser um dos representantes do Estado do Tocantins com 375 mil votos, ele é provável candidato à cadeira de governador do Estado nas eleições de 2014 e vem dialogando, inclusive, com movimentos sociais.

A ação que retirou os 35 trabalhadores envolveu o Ministério do Trabalha e Emprego (MTE), o Ministério Público do Trabalho e a Polícia Federal. Estavam em alojamentos precários feitos com folhas de palmeiras e sem acesso a sanitários. De acordo com o MTE, como a fazenda é distante da zona urbana, os trabalhadores eram obrigados a comprar alimentação na cantina do “gato” (contratador de mão-de-obra) da fazenda, com preços bem acima da média, ficando presos a uma dívida fraudulenta. Também eram cobrados pela utilização de equipamentos de proteção individuais (EPIs), cuja distribuição deve ser garantida sem custos pelo empregador.

De acordo com Humberto Célio Pereira, auditor fiscal do trabalho e coordenador da ação que retirou as pessoas da fazenda do senador, a situação de moradia e saneamento eram degradantes. “Eles eram obrigados a comprar na própria fazenda equipamentos de trabalho e proteção, como botina, chapéu e luva [que pela lei devem ser fornecidos sem custo pelo empregador], além de terem seus documentos retidos, caracterizando condições análogas a de escravidão”. Os empregados (entre eles, um jovem com menos de 18 anos de idade) preparavam a área para a atividade pecuária.

Venho acompanhando o caso a partir da operação de libertação em 2004. Desde então, o senador já figurou na “lista suja” do trabalho escravo – cadastro de empregadores flagrados ao utilizar esse tipo de mão-de-obra, gerenciado pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Com isso, teve bloqueado acesso a recursos de instituições públicas de financiamento e sofreu boicote de empresas signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.

Além disso, foi condenado na Justiça do Trabalho – decisão que foi confirmada pelo Tribunal Regional do Trabalho e, depois, em dezembro de 2010, pela 4a Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Em primeira instância, a indenização que devia pagar foi fixada em R$ 760 mil, depois reduzida a R$ 76 mil na segunda instância.

Na época da decisão do TST, a assessoria parlamentar do senador divulgou nota afirmando que o Tribunal havia confirmado a “inocência de João Ribeiro” no caso, o que não condiz com a realidade. O acórdão da decisão do TST reiterou a caracterização do trabalho escravo análogo à escravidão e confirmou o envolvimento do político, condenado inclusive a pagar indenização por danos morais.

O que ocorreu, segundo matéria divulgada pela Repórter Brasil, é que o colegiado da 4ª Turma do TST decidiu, por unanimidade, não reconhecer o recurso do Ministério Público do Trabalho contra a decisão anterior do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região por um simples motivo: para os ministros, as reivindicações dos procuradores do trabalho – basicamente a confirmação da ocorrência do trabalho análogo à escravidão e a responsabilização do senador – já estavam presentes na decisão proferida pelo órgão regional.

“Com isso, agiganta-se a inocuidade do registro ali lavrado de que a Turma, por sua maioria, considerara inexistente o trabalho escravo, visto que efetivamente o considerara existente, não na modalidade do trabalho forçado e sim na modalidade do trabalho degradante, a partir da qual foram excluídas da sanção jurídica certas obrigações impostas ao recorrido”, diz o acórdão. O recurso do MPT queria contestar alguns pontos da decisão tomada pelo TRT-8 no Pará em 2006, principalmente a redução da indenização a 10% dos seu valor estipulado em primeiro instância.

Além do processo trabalhista, João Ribeiro foi denunciado, em junho de 2004, pelo então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelos crimes de redução de pessoas à condição análoga à escravidão, negação de direitos trabalhistas e aliciamento ilegal. Juntas, as penas podem somar até 13 anos de prisão. 
Por causa do foro privilegiado do parlamentar, a decisão sobre torná-lo ou não réu foi do STF. Segundo Fonteles, “a repugnante e arcaica forma de escravidão por dívidas foi o meio empregado pelos denunciados para impedir os trabalhadores de se desligarem do serviço”.

Também denunciado no caso, Osvaldo Brito Filho se apresentou como gerente da fazenda e foi apontado pelos depoimentos como “gato” (contratador de mão-de-obra). Para a fiscalizacão, admitiu atuar como assessor parlamentar do senador. Há registros da contratação dele como funcionário da Câmara dos Deputados de 1995 a 2002, segundo reportagem do jornal Folha de S. Paulo na época. Durante a operação, auditores fiscais fizeram questão de registrá-lo em carteira como administrador da fazenda Ouro Verde.

Ao se referir, em discurso na tribuna do Senado, em 2004, a um outro caso de proprietário autuado por trabalho escravo no Tocantins, Ribeiro afirmou: “Senhores fiscais do trabalho, complacência para com aqueles homens rudes do campo que ainda não se adaptaram aos novos tempos”.

Ribeiro disse também “Que as autoridades responsáveis pelo cumprimento das leis que elaboramos e defendemos intransigentemente no Senado da República, sobre o ótimo relacionamento entre capital e trabalho, se questionem sobre a postura que seus agentes têm adotado na apuração de supostas denúncias sobre a prática de trabalho escravo, para que não se repitam atos desesperados que, por fim, tirem a vida de homens trabalhadores”. Por fim, pediu “Que se multe, que se execute o que estiver errado, mas não da forma agressiva como estão fazendo, humilhando sorrateiramente os que trabalham. O setor que deu certo neste país”.

No requerimento enviado à Procuradoria Geral da República, o senador alegou que as condições de higiene precárias encontradas nos alojamentos de sua fazenda não eram diferentes da realidade do município. Ele contestou também minuciosamente cada aspecto da denúncia usando os depoimentos dos próprios trabalhadores. Sustentou que nenhum fala sobre armas na fazenda que poderiam ser usadas para coagir os trabalhadores. Disse que eles não eram obrigados a pernoitar e poderiam ir e voltar à pé da cidade. Apontou que os depoimentos indicam uma jornada de trabalho normal, consideradas as horas extras legalmente permitidas. Garantiu que a comida fornecida gratuitamente não era ruim e os trabalhadores não eram obrigados a comprar na venda, tanto que as despesas pendentes eram menores que o salário diário dos trabalhadores.

O requerimento sugeriu ainda que há uma indústria da denúncia de trabalho escravo beneficiando trabalhadores com indenizações e seguro-desemprego. Acusou o grupo de fiscalização de “certa dose de má-fé ou de ausência de conhecimento” ao não descontar das pendências de pagamento os valores dos adiantamentos feitos na contratação. “As declarações dos trabalhadores qualificados com escravos pelo Ministério do Trabalho, quando contrárias ao empregador, devem ser analisadas com moderação e cautela redobrada, porque uma sutil mudança em suas declarações (espontânea ou provocada por alguém) poderá colocá-los numa situação financeira extremamente vantajosa, ainda que isso represente a incriminação do empregador”, afirmou.

Em janeiro deste ano, o senador se reuniu com representantes de movimentos sociais no Tocantins, encontro intermediado por membros do PT. O objetivo era discutir o desenvolvimento no Estado. De acordo com o portal Conexão Tocantins, estavam representados o MST, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), entre outros. Na reunião, ele teria se defendido das acusações de trabalho escravo em sua fazenda.

Na avaliação de um membro de uma importante organização social, crítico à reunião, o encontro foi ruim para os movimentos e bom para a imagem de João Ribeiro.

Segundo ele, parte dos movimentos ligados à terra acreditam que João Ribeiro pode ser o próximo governador do Tocantins e, por isso, é preciso diálogo. Até porque há uma potencial candidatura forte que é a da senadora pelo PSD e atual presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, Kátia Abreu. Além disso, a justificativa corrente foi de que a reunião teria servido apenas afirmar que a sociedade não aceitaria certas movimetações para retirar técnicos de cargos no Estado para a colocação de indicados de políticos.

Agora terão que analisar se o diálogo ainda é o mesmo com um réu por trabalho escravo no Supremo Tribunal Federal.

Em tempo: Votaram pela rejeição da denúncia os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e José Dias Toffoli – o mesmo Toffoli que, quando Advogado Geral da União, era o responsável por defender as fiscalizações de trabalho análogo ao de escravo do Ministério do Trabalho e Emprego, tendo feito um bom trabalho nesse sentido. Como bem lembrou um amigo, nessas horas vale a pena lembrar de Cícero (em latim mesmo, para não ofender ninguém): O tempora, o mores.

Com informações da Repórter Brasil e da Agência Carta Maior


FONTE: MST

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